“Guerra é 90% informação” é a famosa frase de Napoleão Bonaparte para afirmar seu êxito na liderança de gigantescos exércitos. Relatos históricos confirmam que o líder político e militar francês tinha grande capacidade de organizar e tomar decisões com base em dados estratégicos de suas tropas e monitoramento que realizava em campo.
Com o advento da internet, as tecnologias onipresentes — como smartphones e sensores espalhados pelas cidades e casas — fazem com que as guerras agora também sejam cibernéticas e determinem não apenas as estratégias, mas também as formas de ataque, com uma nova corrida armamentista no mundo, com as cyber-armas.
Para ilustrar melhor, um caso recente na história no mundo virtual com impacto real foi o ataque de um Worm (um programa de computador auto replicante, como um vírus), chamado “Stuxnet”, que se instalou em uma usina nuclear no Irã e fez com que as centrífugas girassem 40% mais rápido por 15 minutos, causando rachaduras nas estruturas de alumínio.
Apesar de não haver conexão com a internet na usina por segurança, o Worm foi espalhado globalmente, até infectar (provavelmente) o computador de algum funcionário que levou o vírus por um pendrive para os computadores da usina. Este worm se espalhou, sem que nenhum anti-vírus ou que alguém pudesse perceber, pois não realizava absolutamente nada, além de se espalhar. Só havia uma forma de ativar e torná-lo nocivo: se ele reconhecesse que estava em algum dos computadores da usina e desse início às instruções programadas.
Mark Zuckerberg, este mês, argumentou no congresso americano que sua empresa, o Facebook, está envolvida em uma corrida armamentista global e que, por exemplo, há pessoas na Rússia trabalhando para explorar seu sistema.
Simultaneamente, acontece um grande conflito global na Síria, que fez o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmar “a Guerra Fria voltou”.
Há evidências de uma batalha pela narrativa nas redes sociais, acerca dos motivos e consequências de questões fundamentais da nossa sociedade e que, provavelmente, podem influenciar a opinião pública e política de grandes nações.
Em uma outra audiência no senado norte-americano este ano, diretores e representantes de seis agências de inteligência do país recomendaram que os cidadãos e companhias do país não comprem produtos Huawei, preocupados com a ameaça de possíveis métodos de intrusão ou roubo de dados que possam ter sido instalados pelo governo chinês nos aparelhos da marca.
O Telegram — uma plataforma de troca de mensagens que promete maior segurança na comunicação — é utilizado por mais de 200 milhões de pessoas no mundo e está constantemente envolvido em polêmicas por grupos e ativistas de segurança da informação. O aplicativo acabou de sofrer condenações por não fornecer maneiras do governo russo decifrar e vigiar mensagens enviadas pela plataforma. A justiça do país alega que grupos extremistas, como o ISIS (grupo terrorista Estado Islâmico no Iraque e na Síria), utilizam a rede.
Modelos de negócios que foram estruturados digitalmente para publicidade e comunicação em massa, agora, são explorados politicamente, comprovando que a opinião pública pode ser influenciada com mensagens direcionadas e colocando as democracias à prova.
Assuntos que já eram complexos de serem debatidos em sociedade — como impostos, saúde e educação — estão perdendo espaço para ataques cibernéticos. Estamos criando uma distopia na sociedade sobre construir debates públicos em rede com a manipulação de comportamento e construção de realidades que não refletem nossas reais necessidades.
Com tecnologias que ampliam nossas capacidades, é necessário confrontar as consequências dos ataques cibernéticos para ressignificar o papel de governos e a responsabilidade das empresas, e assim proteger cidadãos com tecnologia para manter sua integridade e dignidade, evitando que todos sejamos usados como estrutura militar quando usamos celulares, redes sociais e até mesmo enquanto caminhamos por uma praça pública.
Artigo publicado 17/04/2018 na coluna Multidões, na Época Negócios.