Fake news: revendedores de realidade e as notícias falsas

É necessário fomentar mecanismos de controle e pesquisa com transparência sobre o uso político das plataformas digitais.

desinformação
Thiago Rondon
Consultor em tecnologias cívicas
17.5.2023

Uma expressão que ganhou popularidade nos últimos anos para fins políticos vem desafiando jornalistas, economistas, políticos, juristas e toda sociedade sobre ética. Vem também sendo motivo de debate no Congresso Nacional com projetos de leis em que todos têm algo em comum: incapacidade de definir o que é “fake news”.

Este não é um conceito novo. Na Grécia Antiga utilizaram a expressão “revendedores de rumores” para descrever, por exemplo, a atuação de comerciantes para aumentar rapidamente o preço de grãos, espalhando rumores sobre tempestades e naufrágios. Teofrasto, notório filósofo na época, realizou um experimento social com seus amigos usando histórias inventadas que chocavam. Ele dizia algo como, “Ei, não espalha, tá? Essa informação é de uma fonte quente e é a última notícia do pedaço”, o que resultou no ditado “olhos são melhores testemunhas do que ouvidos” e recomendações para evitarmos ser enganados, como questionar “quem está ganhando dinheiro com essa notícia?”.

Aliás, nós, humanos, temos essa grande tecnologia à nossa disposição — a fofoca. Para nos protegermos e trabalharmos melhor em grupo, desde o nosso início, foi necessário falarmos sobre e entre nossos pares. Essa capacidade linguística e de comunicação nos permitiu criar laços confiáveis e expandir nossas habilidades.

Porém, diferentemente da nossa história até aqui, estamos enfrentando um novo desafio, que é o mercado da realidade.

Nossos relacionamentos em sociedade já não são mais criados apenas entre humanos “olho no olho”, ou seja, presencialmente. Nossa confiança também está em plataformas digitais que nos representam e desenvolvem laços individuais e até mesmo em grupos. Muitos da última geração da nossa espécie, provavelmente, já encontram seus pares em aplicativos que apresentam e sugerem pessoas para se relacionar, ou seja, não é mais necessário estar presencialmente com alguém para criarmos laços ou grupos em comum.

Atualmente, essa intermediação parece natural para nós, pela comodidade. Tecnologias exploram nossa psicologia e comportamento com informações pessoais registradas por elas mesmo. As “fake news” são as fofocas produzidas sob medida para agradar uma realidade de que gostaríamos, sejam fatos falsos ou reais, e sem o compromisso de criar vínculos humanos, assim afastando nosso contexto social e diferenças do debate, que é um dos principais elementos para a discussão sobre moral e ética em sociedade.

Hoje, somos “revendedores de realidade”, e poderíamos concluir que uma resiliência a esse fenômeno seria “encontros presenciais são a melhor testemunha do que nossos olhos”. A pergunta que deveríamos fazer sobre esse desafio é “quem está ganhando com essa realidade que estamos criando de nós próprios?”. Pois, assim como alguns comerciantes lucraram na Grécia Antiga, alguns políticos provavelmente estão conseguindo votos ou a manutenção de poderes explorando essa vulnerabilidade das realidades sugeridas por interfaces digitais.

Nossas democracias não precisam de lei para definir o que são “fake news” e nem o que é verdade ou mentira, mas é necessário fomentar mecanismos de controle e pesquisa com transparência sobre o uso político das plataformas digitais, quem os financia e quais são as ferramentas. Só dessa maneira vamos criar uma cultura para discutir a moral e ética da tecnologia na política.

Artigo publicado 27/03/2018 na coluna Multidões, na Época Negócios.

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